Taxistas abrem guerra para garantir espaço
São 3,4 mil desde os anos 1970: um carro para cada 838 habitantes. Taxistas expõem problemas
Foto: Elio Rizzo
Jornadas que ultrapassam as 12 horas, concorrência acirrada, fiscalização exigente e reclamações. Esses são elementos comuns ao cotidiano de um taxista. Com a polêmica do Uber, eles reclamam das dificuldades e justificam por que são contra o aplicativo que oferece motorista particular. No fim das contas, o que querem é valorização.
A briga contra o Uber serviu para expor outros problemas da categoria. A Secretaria de Mobilidade tem 3,4 mil licenças registradas, o mesmo número desde os anos 1970, quando foi feita a última licitação. De acordo com o Sindicato dos Taxistas, desse total, 2,4 mil têm motoristas auxiliares. Ou seja, os carros são divididos entre turnos ou alugados para outros trabalhadores.
A proporção de táxis para habitantes apenas reforça que Brasília precisa urgentemente de uma nova licitação. O DF tem um táxi para cada 838 habitantes, enquanto a cidade brasileira onde a proporção é maior é o Rio de Janeiro, com um para cada 191 moradores.
Perfil
Apesar de não haver pesquisas sobre o perfil da categoria no DF, o sindicato aponta que mais de 60% deles passaram dos 50 anos e metade está aposentada de outra carreira. Não é difícil ouvir as histórias parecidas. Vários dos taxistas recorreram à profissão após passarem por outras áreas, seja por desemprego ou para serem os próprios chefes.
É o caso de Edvaldo Silva, 65 anos. Ex-eletricista, operador de subestação, ele optou pela nova profissão há 12 anos, já que o mercado é cruel com profissionais de mais de 45 anos. Para isso, paga R$ 100 por dia para alugar o táxi, além de ser cobrado para trabalhar no aeroporto – são cerca de R$ 10 diariamente. A isso, somam-se o expediente que passa das 16 horas e as reclamações da mulher e dos três filhos sobre a ausência em casa. Por todos esses motivos, Edvaldo se mostra insatisfeito em relação ao Uber.
“Pagamos sindicato, esperamos, às vezes, três horas pelo passageiro e ainda vem um serviço covarde desses para tirar nossos clientes”, critica.
Se o argumento a favor da ferramenta é a qualificação, Edvaldo rebate. “Eu faço inglês para poder atender bem. E, se acontecer um acidente, um assalto, um estupro, o Uber vai se responsabilizar? Claro que não”, completou.
Além da concorrência, há a crise financeira. O taxista Aldivino de Almeida, 62, sente os efeitos dela. “O dinheiro está sumindo”, constatou. Há 16 anos, ele fechou a padaria que tinha devido aos altos custos, mas, embora reclame dos problemas, admite que “dá para tirar o sustento”. No entanto, isso tem um preço: trabalhar 18 horas por dia com uma folga por semana. “Só ganha mais quem pode comprar outra licença e alugar. Ainda assim, é tanto custo que sobra pouco dinheiro”, avaliou.
Saiba mais
O Uber é um aplicativo que permite que o usuário forneça sua localização e desfrute do serviço e é considerado uma “carona compartilhada”.
Para ser um motorista Uber, é necessário ter um veículo específico, geralmente preto, e passar por um processo de seleção.
Foi aprovada recentemente, pela Câmara Legislativa, a proibição do Uber. Os aplicativos precisam ter cadastro junto ao governo e devem apresentar uma extensa lista de documentos para poderem operar. A isso, soma-se a proibição de veículos não autorizados de oferecer serviço pago de transporte.
A lei depende de sanção do governador Rodrigo Rollemberg.
Pesquisa: brasiliense é a favor do Uber
Pesquisa feita pelo Instituto Exata de Opinião Pública (Exata OP), obtida com exclusividade pelo JBr., apontou que 68% dos entrevistados já ouviram falar do Uber. Entre os que conhecem, 74% são a favor da liberação do aplicativo, 21% são contra e 5% não souberam responder. Diante da ameaça de proibição, o Uber pediu aos usuários que enviem um e-mail ao governador Rodrigo Rollemberg sugerindo que o serviço continue permitido. O Governo de Brasília ainda não garantiu a sanção da lei, mas deu sinais de que pode proibir o aplicativo por entender que não há fiscalização suficiente. A Secretaria de Mobilidade reconheceu que o número de concessões é insuficiente, mas garantiu estudar como aumentar a oferta de táxis. A pasta informa que está nos planos, inclusive, a implementação do táxi pré-pago.
“Concorrência desleal”
Mesmo trabalhando bastante, o taxista Elias Amorim não se queixa de ter largado o emprego como representante comercial há seis anos. Mas admite que a autonomia financeira e de trabalho pode ficar prejudicada com o Uber. “Eu não posso fazer lotação, por exemplo. Nós temos que trabalhar dentro da lei porque somos fiscalizados o tempo todo. Eles também precisam seguir as regras, senão é desleal”, disse.
Há outros fatores que impedem que o taxista faça seu trabalho, de acordo com eles próprios. Brasília não teria, como em outras cidades, a cultura do uso do táxi e, por isso, qualquer serviço que ofereça maior competitividade agrava, segundo eles, as dificuldades.
“Eu gastei R$ 2 mil para me vestir de terno e gravata e oferecer um bom serviço, mas percebi que não adiantava e parei. Aqui, o pessoal não merece. Não faz diferença se você faz cursos, apresenta documentos e paga impostos. O que importa para eles é o preço”, revoltou-se o taxista Silvestre Perezini.
Fora o Uber, os motoristas reclamam ainda dos hotéis, que oferecem aos hóspedes traslado ao aeroporto.
Serviço sofreu reajustes em série
Nos últimos dois anos, a bandeirada no DF sofreu aumentos que totalizaram 34%. O argumento do Sindicato dos Taxistas para obtê-los foi a falta de reajustes por 15 anos. Na prática, o quilômetro percorrido passou de R$ 1,80 para R$ 2,45 na bandeira 1. O valor inicial da corrida saiu de R$ 3,30 para R$ 4,51.
Por não dirigir, o servidor público Josimar Passos sempre precisou de táxi para se locomover. Agora, veio o Uber, que representou uma solução eficiente. “Por mim, pode aposentar toda a frota de táxis”, brincou. Foram os problemas que o fizeram trocar tão facilmente de serviço e o preço, geralmente R$ 5 a menos por corrida.
“Uma vez, chamei um taxista e ele veio bêbado. É comum pegar carros sujos e fedorentos depois das 20h. De dia, até é possível achar táxis limpos, mas ainda assim o Uber é melhor”, opinou.
Embora o preço não seja considerado atraente para o servidor público Roberto Vilanova, ele opta pela segurança. O Uber ainda não foi uma opção justamente pela falta de cadastro junto ao governo. “Não sei o que pode vir. Pode até ser mais barato e confortável, mas eu pago pela garantia”, reconheceu.
Ainda assim, Vilanova não poupa os taxistas das críticas. “Sempre demora. Além do mais, a crise financeira deixou tudo mais caro e o táxi não é diferente”, reclamou.
Quantidade insuficiente
Para o especialista em transportes da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Marques, o crescimento do Uber no DF diz muito sobre o serviço prestado pelos táxis. “Se não houvesse deficiência, o aplicativo não teria ganhado espaço”, disse. Por outro lado, Marques acredita que a percepção geral da população é de insuficiência. “A gente sabe que, quando chove, não é possível encontrar. O número de habitantes cresceu e, se as licenças não foram emitidas, o serviço fica insuficiente”, constatou.
O movimento para a proibição do Uber ganhou força, mas o professor defende que a ferramenta seja regulamentada por questões de direito do consumidor e de segurança. “Do jeito que está, não há como responsabilizar a empresa por acidentes ou crimes contra o cliente. Os taxistas querem que o Uber seja regulamentado como uma empresa de táxi, mas não é a mesma coisa. São pessoas que colocam o carro à disposição e não um serviço público, como os táxis”, avaliou.
Comparativo
Palmas (TO)
1 táxi para 11 mil habitantes
Brasília (DF)
1 táxi para 838 habitantes
Vitória (ES)
1 táxi para 745 habitantes
Belo Horizonte (MG)
1 táxi para 378 habitantes
São Paulo (SP)
1 táxi para 305 habitantes
Rio de Janeiro (RJ)
1 táxi para 191 habitantes
Nº de táxis em outras grandes cidades do mundo (carros regularizados):
Paris: 14,9 mil
Nova York: 12,8 mil
Cidade do México: 57 mil
Madrid: 11,5 mil
Buenos Aires: 38 mil
Londres: 20 mil
Tóquio: 55 mil
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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