Terra de ninguém vale R$ 500 milhões. Lotes no Entorno usados para quitar dívida podem voltar ao GDF
TCDF e Ministério Público da Cidade Ocidental contestam negócio de 2007, feito na gestão Arruda, quando o Executivo local repassou terrenos ao município do Entorno para saldar débitos de IPTU. Questão foi parar na Justiça, mas prefeitura goiana já usou algumas propriedades e grileiros ocuparam outras
A solução que o Governo do Distrito Federal busca para quitar dívidas e superar a crise financeira pode não vir da Câmara Legislativa — onde Rodrigo Rollemberg (PSB) enfrenta resistência da própria base —, mas da Cidade Ocidental (GO). O Tribunal de Contas do DF (TCDF) e o Ministério Público do município goiano contestam um decreto de 2007, quando o GDF repassou 8 mil lotes à prefeitura em troca do perdão de uma dívida referente ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) desses terrenos.
Segundo a Corte de contas, há imunidade tributária entre os entes federados e, portanto, a cobrança do imposto foi indevida. O MP apura a mesma questão e também o repasse de alguns lotes a um advogado. Caso o desfecho do imbróglio seja favorável a Brasília, o Executivo local teria à disposição um patrimônio estimado em cerca de R$ 500 milhões. O problema seria como reverter todas essas propriedades em receita, uma vez que muitas já estão ocupadas.
Os terrenos goianos foram adquiridos pelo Distrito Federal em 1993, como pagamento de uma dívida que o antigo proprietário tinha com o Banco de Brasília (BRB). Sem recursos para saldar o débito, a posse da terra foi transferida à instituição brasiliense. O BRB, por sua vez, repassou esses lotes ao hoje extinto Instituto de Desenvolvimento Habitacional do DF (Idhab).
Como os tempos eram de vacas gordas, os governos anteriores ao de Rodrigo Rollemberg pouco se interessaram pelo patrimônio goiano, e a ausência da mão estatal sobre essas propriedades favoreceu invasões e a ação de grileiros.
Até que, em 31 de agosto de 2007, o então governador José Roberto Arruda expediu o Decreto n° 28.249, que repassou os 8.006 terrenos para a prefeitura da Cidade Ocidental em troca do perdão da dívida de R$ 11.779.302,21 referente ao IPTU correspondente ao período entre 1993 e 2007.
Com base nesse decreto, o prefeito Alex José Batista, que administrou a cidade entre 2009 e 2012, oficializou uma prática que vinha desde a gestão Mauro Abadia (1997-2000): destinar os lotes a moradias populares. No caso de Batista, as áreas ocupadas foram as Superquadras 3 e 18.
Questionamento
A confusão começou a ganhar corpo em 27 de maio de 2010. Naquela data, o TCDF questionou a justificativa do GDF para ceder as propriedades.
O voto do então conselheiro da Corte Ronaldo Costa Couto foi para que o GDF e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab) se abstivessem de realizar qualquer ato amparado no decreto, “uma vez que a transferência dos imóveis se afigura contrária às normas de direito e não está revestida da transparência necessária”.
Na apuração do TCDF, foi questionada a falta de amparo legal para a cobrança de IPTU porque, segundo a Corte de contas, a “imunidade tributária é estendida às autarquias dos entes federativos”.
Além disso, o TCDF verificou que 2.887 lotes foram avaliados em pouco mais de R$ 6 milhões em 2000, mas o Executivo local não informou qual foi a base de cálculo usada para chegar a esse valor. Hoje, estima-se que apenas essas frações custem cerca de R$ 115 milhões.
O tribunal ressaltou ainda a ocupação de vários lotes da SQ 19 pelo programa habitacional promovido pelo município do Entorno. No mesmo documento, o TCDF apontou que 623 unidades da SQ 22 foram usadas na construção do aterro sanitário do município goiano.
Apesar de, na época em que o documento foi redigido, o TCDF ter alertado para a necessidade de uma ação imediata, sob pena de “prejuízo aos cofres distritais de proporção irreparável”, o então governador, Rogério Rosso, não tomou providências.
Outra irregularidade
Antes de o TCDF entrar no caso, o prefeito Plínio Araújo (PSDB), morto em 2008 devido a complicações de uma cirurgia de redução de estômago, usou alguns lotes em uma transação que despertou a atenção do Ministério Público de Goiás.
Sob o argumento de não ter recursos em caixa, Araújo concordou em pagar, com parte desses terrenos, os honorários do advogado Sérgio Ferreira Wanderley, nomeado procurador do município para fazer a cobrança do IPTU junto ao Governo do DF. Pelo acordo com o prefeito, o defensor tinha direito a 10% da dívida com o imposto, ou seja, R$ 1.177.930,22. Sérgio Wanderley recebeu tudo em lotes, que saíram para ele ao preço módico de R$ 6 mil a unidade.
Em agosto de 2013, o Ministério Público da Cidade Ocidental constatou irregularidades na doação dos lotes ao defensor do município e entrou com duas ações: uma recomendando liminar que suspendesse o pagamento a Sérgio Wanderley; outra pedindo a anulação da ação e do pagamento feito pelo GDF ao município.
Ao entrar com a ação contra a doação dos terrenos para o advogado, descobri o parecer do TCDF e ingressei com a anulação. Tem um decreto de autoria da prefeitura de Luziânia (GO) que prevê a imunidade tributária estendida às autarquias"
Marizza Fabianni Maggioli, promotora
Os dois pedidos do MP foram deferidos pelo juiz André Costa Jucá, da Vara de Fazenda Pública da Cidade Ocidental.
No entanto, ainda em 2013, o advogado Sérgio Wanderley conseguiu derrubar a liminar e teve os terrenos liberados para a venda. Mas sofreu derrota em 18 de setembro de 2014, com uma decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que determinou nova interdição dos terrenos. Em julho deste ano, a juíza Patrícia Machado ratificou a decisão. Desde então, essas áreas não podem ser negociadas.
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Lotes à venda
Mesmo impedido de vender qualquer lote, o advogado continua oferecendo os imóveis. Sérgio Wanderley contratou uma imobiliária do município goiano para negociar as terras.
A equipe do Metrópoles gravou o momento em que um grupo de corretores tenta vender os terrenos. Nosso primeiro contato é no térreo do edifício, onde estão quatro vendedores. Ao demonstrarmos interesse em lotes maiores, um deles nos leva ao primeiro andar, onde encontra-se o gerente.
No caminho para a sala do pavimento superior, o vendedor explica que os lotes ficam perto de uma área onde será instalado um campus da Universidade Federal de Goiás (UFG). O homem que responde pela empresa se identifica como “Carlos”. Ele esclarece que os lotes da esquina são maiores e chegam a ter 330 metros quadrados.
“Pequeno problema”
Carlos revela que há um “pequeno problema” com os terrenos. “Tivemos um embargo judicial lá. Uma questão da promotora com o Idhab, e aí ficou bloqueado. Recebemos esses lotes na ação de pagamento. Registramos tudo certinho. Começamos a vender, vendemos boa parte deles. Aí, de repente, a promotora questionou na prefeitura”, disse o vendedor.
Enquanto mostrava a planta dos terrenos, Carlos assegurou que o “pequeno problema” não vai atrapalhar o negócio. Ele estimou que, em 15 dias, a situação esteja definida a seu favor. “Isso não vai dar nada não”, aposta.
A questão extrapolou a esfera do Executivo e chegou ao Legislativo. Em outubro, a vereadora Kedma Karen (foto ao lado), do PT, levou o caso ao vice-governador do DF, Renato Santana. De acordo com ela, Santana se comprometeu a verificar a questão. “Eu pedi a ele que fossem mantidas as moradias populares”, afirmou.
Apesar do contato, a vice-governadoria ainda não se manifestou sobre o caso até o momento. A atual prefeita da Cidade Ocidental, Giselle Araújo (PTB), não retornou os contatos da reportagem para comentar o assunto.
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