Terra prometida
Criado para ser um bairro moderno e inovador, o Noroeste sofre com a falta de infraestrutura e põe órgãos públicos na mira do TCDF.
Foto: Roberto Castro
Em 2009, a capital estava repleta de anúncios que divulgavam os primeiros empreendimentos do seu então mais novo e promissor bairro: o Noroeste. Entre outras vantagens, ele seria 100% planejado, dotado de ruas largas, muito verde, recolhimento de lixo a vácuo e água reciclada. A animação foi tanta que o metro quadrado do imóvel no local chegou a custar 18 000 reais, preço praticado em áreas nobres de cidades como Londres e Paris. Um ano e nove meses depois da inauguração dos primeiros prédios, porém, a infraestrutura do setor está longe do que se vê nessas capitais europeias...
Basta um rápido passeio pela região para constatar os problemas, que vão da falta de paisagismo ao péssimo policiamento (confira alguns deles no quadro acima). A situação é tão precária que os moradores do bairro se reuniram e formalizaram uma denúncia ao Tribunal de Contas do DF (TCDF). Em seguida, o Núcleo de Fiscalização de Obras (NFO), regido pelo órgão público, enviou auditores ao local e constatou que havia mesmo algo errado. Assim, em 25 de julho, o TCDF suspendeu o pagamento de 11,9 milhões de reais referentes à construção do Parque Burle Marx (orçado em 32,8 milhões de reais) e deu quinze dias à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) para que se explicasse e anunciasse medidas para reverter o cenário.
O que se viu nos últimos dias, no entanto, foi um jogo de empurra. A Terracap afirma que tal relatório deveria ser enviado pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) e que seu dever é somente dar suporte ao caso. Já a Novacap diz que prestou as devidas contas e que qualquer questão relativa ao novo setor está nas mãos da Terracap. Em meio às discussões, o prazo venceu no último dia 9 e, até o fechamento desta edição, o TCDF continuava sem resposta.
Enquanto isso, os 8 000 moradores do Noroeste se adaptam para conviver com dificuldades. É comum, por exemplo, a falta de energia elétrica várias vezes ao dia. Nas quadras mais novas, não há sequer iluminação pública, o que faz da noite um breu completo na região. A situação obrigou construtoras a investir em geradores de energia para seguir trabalhando nos prédios e ajudar a vizinhança. Com a água, outro aperto: representantes de condomínios já chegaram a ratear um caminhão-pipa, pois passavam horas sem nenhuma gota. Em período de chuvas, o problema se inverte. Desprovidos de rede de drenagem pluvial, alguns edifícios tiveram garagens e poços de elevador alagados, algo que causou prejuízos de até 150 000 reais. No bloco B da quadra 310, um muro foi construído na frente da calçada para deter a enxurrada. “É uma rotina ainda mais difícil para quem pagou caro e queria viver bem”, diz José Valério Philippi, presidente da Associação de Moradores do Noroeste.
Renato Rainha, conselheiro no TCDF e relator do processo que bloqueou o pagamento, afirma que muitos dos aborrecimentos poderiam ter sido evitados. “Houve atrasos que frustraram as expectativas da comunidade e que podem trazer impacto financeiro aos cofres do DF”, diz. De acordo com o órgão, só no Parque Burle Marx deveriam estar prontos 55% do plano de pavimentação, que inclui ciclovias, estacionamentos e vias de acesso. Hoje, porém, observa-se apenas a construção de parte das pistas externas. A presidente da Terracap, Maruska Lima, atribui a demora a divergências entre os órgãos envolvidos. “É essencial que todos trabalhem juntos para que o projeto seja implementado”, explica. Mesmo sem um bom grau de sinergia, ela já adianta resoluções, como garantir a iluminação pública nas quadras residenciais prontas e a finalização do plano de paisagismo, reformulado para atender às novas exigências de acessibilidade. Maruska promete também um acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai). Por ele, os índios que ocupam um trecho do setor seriam remanejados antes do início das chuvas. A proposta, no entanto, contraria a atual posição da Funai, que não admite intervenções na área reservada aos indígenas.
Como resultado dessa controvérsia, o Noroeste viu diminuir o preço de seus apartamentos. O valor mínimo atual, de 12 500 reais o metro quadrado, deixa o bairro na posição de menos valorizado do Plano Piloto. Contudo, representantes do setor imobiliário mostram-se otimistas. “O Noroeste tem boa localização e foi bem planejado. Logo voltará a ser disputado”, diz Paulo Muniz, presidente da Ademi, construtora responsável por 10% dos empreendimentos residenciais do local. “Há uma série de inovações na região, como vias que conectam as quadras internamente e área comercial separada da residencial”, afirma Rogério Markiewicz, diretor do escritório de arquitetura MKZ. Por enquanto, são essas previsões que alimentam a esperança dos habitantes do Noroeste e os fazem sonhar com o destino prometido para o setor.
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