No DF: Loteamentos por todo. O novo mapa da invasão
Em 15 dias, 10 mil famílias ocuparam uma área entre Recanto das Emas e Santo Antônio do Descoberto
Em qualquer região administrativa do Distrito Federal há barracos sendo erguidos ou demarcações para o início de novas construções. Todas irregulares e em áreas particulares, públicas, de proteção ambiental ou destinadas a programas habitacionais.
O Correio percorreu algumas das grandes ocupações da capital — entre elas, as mapeadas pela Agefis — e detectou que a situação tem se agravado desde o ano passado, apesar de o governo ter afirmado que não vai permitir invasões no DF. Em algumas áreas, os piquetes prenunciam a construção de imensos condomínios.
Próximo à Torre Digital, uma imensa área verde, afastada do centro da cidade, sem barulho de carro, chama a atenção. Acordar ao som dos pássaros, a menos de 25km do Plano Piloto, ao lado da DF-440, é o sonho de muita gente. O Condomínio Bougainville está, na verdade, numa área pública, de propriedade da Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap). A invasão começou em 2006 e já foi alvo de ação judicial e operação da Polícia Civil. Nunca, porém, houve uma derrubada definitiva do local. Os grileiros, então, aproveitaram a última troca de governo para agir novamente. As casas, que eram, no máximo, 10 até o meio do ano passado, agora já passam de 30. “O local andava meio parado. Mas construíram várias novas residências nos últimos meses”, confessa um morador que não quis se identificar.
E não é à toa a insistência dos grileiros na região. Em julho de 2012, quatro pessoas foram presas negociando lotes no condomínio. Segundo cálculos da polícia, os criminosos dividiram a área em 330 lotes de 600m² a 800m². Caso todos fossem vendidos, a quadrilha arrecadaria cerca de R$ 20 milhões. Na época, inclusive, o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) julgou irregulares todos os contratos referentes à comercialização de lotes no Bougainville e determinou que o responsável pelo parcelamento irregular, Clinton Campos Valadaresa, devolvesse o dinheiro a todos os compradores. O espaço faz parte da Área de Proteção Ambiental do Rio São Bartolomeu.
Fora a Nova Jerusalém, no Sol Nascente, em Ceilândia, onde o governo demoliu 400 barracos construídos nos últimos oito meses, o Correio denunciou outras duas invasões recentes na cidade, que concentra a maior favela da América Latina. Uma, na Guariroba, é uma área de 60 hectares que foi doada pelo GDF a 23 famílias agrícolas no fim do ano passado. Quando chegaram ao local, contudo, os assentados foram recebidos por grileiros, que tomaram uma parte do terreno.
Irredutíveis, os criminosos não saíram do espaço e as famílias acionaram a Polícia Civil. Enquanto o Estado não resolve a situação, eles esperam para receber integralmente a área, destinada à moradia e ao cultivo de hortaliças. Quando integrantes da Secretaria de Agricultura estiveram no local, semanas atrás, os trabalhadores que parcelavam o lote afirmaram que se tratava de “uma área do juiz Roberto, chacareiro da região”. A informação, porém, não procede, pois o terreno é do governo.
A outra, na quadra 702 do Condomínio Pôr do Sol, também em Ceilândia, foi alvo de três ações da Agefis — a última em outubro passado. Em menos de seis meses, porém, as casas foram levantadas novamente. Os moradores afirmam que não há mais grileiros na região e criticam a ação do GDF. Segundo um morador do local, que não quis se identificar, a maioria comprou os lotes das mãos de grileiros em 2012. “Dei meu carro em troca. Paguei R$ 30 mil. Mas os criminosos fugiram e nunca mais voltaram. Agora, só restam famílias aqui”, conta.
O novo mapa da invasão
Levantamento da Agefis mostra que, em cinco meses, ao menos 10 ocupações surgiram ou voltaram a crescer no DF. Um exemplo de novo loteamento é Águas Quentes. Pôr do Sol e Sol Nascente ganharam ocupantes e tornaram-se a maior favela do país
Notícia Gráfico
Ano de eleição. Curando a ressaca da Copa do Mundo, o brasiliense esquece o futebol e volta os olhos para a política. Enquanto a população elege governador e presidente, os criminosos aproveitam a desatenção do poder público, engajado na campanha, para invadir área pública. O cenário é tão vantajoso para os grileiros que, de outubro do ano passado para cá, pelo menos 10 invasões foram identificadas pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis). Algumas nasceram por agora e outras tiveram as construções ilegais retomadas com toda a força. Para especialista, o cenário atual é irreversível.
Não há um levantamento do número total de invasões no DF, segundo a Agefis, mas, desde o início do governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), foram identificadas ocupações em todas as regiões administrativas. Elas começaram no fim do ano passado ou já em 2015 e estão instaladas em pontos públicos e de preservação ambiental. Algumas foram mapeadas pelo órgão como mais recentes (veja quadro), entre elas uma na DF-280, outras em São Sebastião, Sobradinho e Ceilândia. O Correio esteve em alguns desses endereços e flagrou o crescimento das construções irregulares. Em alguns lugares, há, inclusive, placas com telefones de grileiros que vendem os lotes (leia na página 20).
A Agefis afirma que acompanha as ocupações ilegais. Faz visitas, fotos de satélite e mapeamento, garantindo que, “assim que constatada um nova invasão ou o aumento da antiga, ela seja o quanto antes demolida para que não venha a ter maior crescimento no local”. O novo governo garante que as ações não ficarão restritas às zonas mais pobres: está prevista, para dentro de dois meses, a derrubada de construções ilegais na orla do Lago Paranoá.
Na avaliação do professor Frederico Flósculo Pinheiro Barreto, do Departamento de Projeto, Expressão e Representação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), o fim das invasões no DF é praticamente impossível. “A história do DF, aos 55 anos, mostra claramente que o governo é um perdedor eterno. Até agora, todos mostraram que não têm condição, disciplina e competência para controlar o próprio território. Vamos perder a guerra até o dia que não teremos mais terra no DF”, critica. O professor acredita que a grilagem só vai acabar quando os governantes investirem menos na política de combate. “O controle do território sendo feito de forma policial está fadado ao fracasso. É preciso controlar por meio do trabalho agrícola e da preservação ambiental, com crescimento controlado.”
Frederico Flósculo lembra que o início das invasões e das grilagens ocorreu com a criação da cidade e nunca foi combatido de forma eficiente. “Nem o Exército Brasileiro conseguiu controlar as pessoas que queriam terra no DF. Nenhum governo teve o decoro e a seriedade de enfrentar o problema. Todo dia perdemos um pedaço do território”, critica. Além das invasões em locais que deveriam ser considerados de proteção ambiental, o especialista alerta para o lucro ilegal dos grileiros. “É um grupo que se aproveita da liberdade democrática. O negócio mais lucrativo no DF se chama grilagem de terras. Se pegar condomínios irregulares e calcular a renúncia fiscal representada pela ausência de projeto e de escritura, são mais de R$ 3 bilhões.”
Liderança
Uma das mais recentes ocupações reúne cerca de 10 mil famílias. Fica entre Recanto das Emas e Santo Antônio do Descoberto (GO) e começou no início do mês. É ocupada por moradores do DF e de Goiás e liderada por integrantes da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), encabeçada por José Rainha Júnior, que promete assentar 100 mil em todo o DF. Rainha encabeçou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por vários anos.
Na semana passada, o Correio publicou que, quando surgiu a ocupação Nova Jerusalém, o major Carlone Batista, atual subcomandante do 11º Batalhão da PM, era gerente de condomínio na Administração de Ceilândia. Aos que queriam um lote no local, eram cobrados R$ 3 mil iniciais e, caso as construções não fossem derrubadas, os compradores pagariam R$ 20 mil parcelados. O policial é mencionado em uma investigação da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Decap), que apura as invasões na cidade. Ele negou envolvimento com grilagem e disse que foi um dos maiores combatentes das invasões.
Favelão
A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad), divulgada pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) em 2013, indicou que os condomínios Pôr do Sol e Sol Nascente têm, juntos, 78.912 moradores. O Censo de 2010, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontava uma população de 56.483 pessoas. O crescimento fez com que as ocupações superassem a Rocinha, no Rio de Janeiro, conhecida internacionalmente, e que contava, até o levantamento do IBGE, com 69.151 habitantes. O levantamento do Pdad mostrou ainda que as duas localidades registravam os piores indicadores de infraestrutura de toda a capital. Apenas 6,1% das residências eram ligadas à rede de esgoto. Os caminhões de lixo não atendiam 54,15% dos domicílios, e 94% das ruas não estavam pavimentadas. Antes de deixar o GDF, o ex-governador Agnelo Queiroz (PT) regularizou e asfaltou parte do Sol Nascente.
http://www.correiobraziliense.com.br...er-no-df.shtml