O dinheiro que jorra do campo
Autor(es): » SÍLVIO RIBAS » DIEGO AMORIM » VICTOR MARTINS
Correio Braziliense - 06/10/2013
O desenvolvimento do agronegócio no centro do país atrai o interesse de bancos e marcas nacionais, sobretudo longe das capitais. O aumento da renda dos produtores rurais nessa região tem se tornado uma mina de ouro para os investidores
O dinheiro nunca jorrou com tanta fartura das terras do Centro-Oeste, região líder na produção de grãos, com 43% do total. Não à toa, bancos, redes de varejo, concessionárias de veículos, empresas aéreas e construtoras aportaram com tanta força por essa localidade. O movimento reflete os seguidos saltos de produtividade das safras e os lucros dos agricultores no mercado externo. Em nenhuma outra área do país, a demanda por crédito e o consumo crescem com mais vigor que nas pequenas cidades — longe dos centros urbanos — cuja economia está atrelada ao agronegócio, que movimentará, neste ano, US$ 550 bilhões, dos quais US$ 100 bilhões em exportações.
Ao contrário das demais regiões do país, onde o setor de serviços responde pela maior parte da riqueza (68%), no Centro-Oeste o agronegócio predomina (73%). É essa diferença que tem garantido o avanço sustentável dos rendimentos, com oportunidades para grandes transações e riscos menores. "Basta lembrar que 27% de todos os produtores com perfil de renda elevada estão concentrados no centro do país", diz Marco Antônio Mastroeni, diretor de Estratégia do Banco do Brasil (BB).
Os desembolsos anuais do BB para financiar a safra mais que dobraram desde 2008: de R$ 5,9 bilhões para os atuais R$ 14,3 bilhões. Estudo da instituição indica o Centro-Oeste como a região mais atraente, com a peculiaridade de as áreas de maior potencial "não se restringirem às de influência das metrópoles". O BB tem a maior rede de atendimento no Brasil rural, com 484 agências e 9,4 mil pontos no total. A interiorização do desenvolvimento puxado pela abertura de novas fronteiras agrícolas no centro do país tem reflexo imediato em todo o sistema bancário e no mercado até de estados vizinhos.
"O campo traz muito cliente.
Se o dinheiro circula, a aposta é certa"
Genilson Gomes da Silva, gerente da Ricardo Eletro de Unaí (MG)
Quando deixou o trabalho na roça para morar em Unaí, o celeiro de Minas Gerais, na década de 1970, Iracyr Rodrigues Marra só tinha duas instituições financeiras à disposição. Hoje, são sete, e as obras da oitava agência na cidade, a do Banco de Brasília (BRB), estão à todo vapor. "O sucesso do campo melhorou a vida de todo mundo. Para mim, não falta mais nada: nem banco, nem loja boa", comenta o aposentado de 70 anos, que, de bicicleta, faz bicos de serviços bancários. "O pessoal começou a ganhar dinheiro de verdade e a cidade ficou cheia de carro. É melhor assim para fugir do trânsito", emenda.
O BRB resolveu retomar com força o projeto de expansão fora do Distrito Federal, justamente de olho nos lucros do agronegócio. A carteira rural é uma das prioridades do plano estratégico do banco, o único regional do Centro-Oeste. O presidente, Paulo Roberto Evangelista, considera um equívoco o fechamento da agência de Unaí e de outras cidades no Entorno de Brasília nos anos 1990.
Às metas de negócios da instituição, ele aliou o mapa definido pela Região Integrada de Desenvolvimento do Entorno do DF (Ride), que reúne 19 municípios goianos e três de Minas Gerais. "Já fizemos várias sondagens para fechar contratos com empresas rurais e pequenos agricultores", adiantou. A gerente de Crédito Rural do BRB, Patrícia Alves de Melo, acrescenta que a disposição do banco em ampliar a presença em torno de Brasília — em Cristalina (GO), por exemplo — já apresentou resultados surpreendentes, como o avanço da produção de trigo.
Cliente VIP
A força do campo no Centro-Oeste se mostra consolidada. Não por acaso, a abordagem mais agressiva da Caixa Econômica em relação à região, desde o ano passado, coincide com a estreia da instituição no segmento do crédito rural. De setembro de 2008 até o mês passado, o número de agências em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul, em Goiás e no Distrito Federal saltou 43% — de 208 para 297 —, sem contar os milhares de pontos de atendimento.
Na safra em andamento, o banco oferece em todo país R$ 3,7 bilhões destinados ao custeio da produção agrícola, investimentos em máquinas e equipamentos, compra de animais e projetos de infraestrutura rural. "Começamos a desenvolver o relacionamento com empresas, cooperativas e agricultores, completando o nosso leque de negócios, que já incluía habitação rural", sublinhou Bernadete Maria Pinheiro Coury, superintendente regional da Caixa.
"O sucesso do campo melhorou a vida de todo mundo.
Para mim, não falta mais nada: nem banco, nem loja boa"
Iracyr Rodrigues Marra, aposentado
O diretor regional do Centro-Oeste do Bradesco, Delvair Fidencio de Lima, revela que a principal aposta da instituição financeira nos últimos cinco anos está no atendimento de clientes de alta renda ligados ao agronegócio, com abertura de agências voltadas exclusivamente para esse perfil, como as bandeiras prime e corporate. Nesta última, para os correntistas com patrimônio acima de R$ 30 milhões, a região contribui com algumas das contas mais importantes para o banco.
Enquanto o crédito do Bradesco avançou 161% no país entre 2008 a 2013, o salto no Centro-Oeste, no mesmo período, foi de 201%. "A profissionalização e a tecnologia no campo deixaram no passado a imagem do agricultor entregue à sorte do clima e das pragas", observa Lima. O executivo lembra que, em 2010, a região respondia por 17% dos valores de financiamentos concedidos a produtores e cooperativas. Esse número chegou a 21% no ano passado. No crédito em geral, a participação saiu de 8,9% para 9,5%.
À vista
Em Unaí, o sucesso nas lavouras também resulta em movimento sem precedentes no comércio local. Mesmo com o consumo das famílias arrefecido na média do país, varejistas que apostaram no desenvolvimento da região comemoram as vendas em alta e a baixíssima inadimplência. Grandes marcas nacionais estão à procura de lugar para se instalar no município. Neste ano, a meta fixada para a loja da Ricardo Eletro, por exemplo, só não foi alcançada em três dos nove meses. O faturamento médio de 2013 supera em 20% o do ano passado. Em fevereiro, itens da linha branca se esgotaram.
Até o fim de 2014, pelo menos outros dois importantes varejistas chegarão a Unaí. "O campo traz muito cliente. Se o dinheiro circula, a aposta é certa", sustenta o gerente da Ricardo Eletro na cidade, Genilson Gomes da Silva. Em dois anos, o número de funcionários da loja subiu de 15 para 20. "Tem dia aqui que é uma loucura. Falta gente para atender", justifica. A maior parte dos pagamentos (37%) é à vista, o que revela o poder de compra dos clientes.
Fartura
Números dos financiamentos
bancários revelam a crescente prosperidade do campo
Nas alturas
Expansão do crédito rural de 2008 a 2012 (em %)
Brasil 161
Centro-Oeste 201
Distribuição
Fatias do valor total dos empréstimos a produtores e cooperativas (em %)
2010
Sudeste 33
Centro-Oeste 17
Norte 3
Nordeste 8
Sul 39
2012
Sudeste 29
Centro-Oeste 21
Norte 4
Nordeste 9
Sul 37
Fonte