Formula Indy: Quem paga a conta?
Após cancelar etapa a cinco semanas do evento, GDF obtém liminar que anula acordo com organização da prova. Dona dos direitos diz que vai acionar o governo na Justiça e americanos avisam: não ficam no prejuízo
Estágio atual das obras no Autódromo Nelson Piquet: governador Rollemberg admitiu que não teria "tempo hábil" para concluir a reforma.
A corrida da Fórmula Indy, programada para 8 de março no Autódromo Internacional Nelson Piquet, em Brasília, agora é na Justiça. Depois que o Governo do Distrito Federal (GDF) decidiu cancelar a prova a cinco semanas da sua realização, os envolvidos na assinatura do acordo — que garantia a competição em Brasília pelos próximos cinco anos — devem travar uma batalha judicial para saber quem vai arcar com o prejuízo decorrente da decisão.
O GDF conseguiu ontem liminar que cancela provisoriamente o acordo feito pela administração passada, de Agnelo Queiroz, com a TV Bandeirantes, detentora dos direitos de transmissão e organizadora do evento no Brasil. Ainda assim, não deve evitar um processo judicial, já que a emissora informou, em comunicado ao Correio, que notificou o governo local extrajudicialmente e anunciou que vai recorrer à Justiça. “A emissora espera ser ressarcida de suas perdas em toda a extensão”, informou a organizadora da etapa brasileira da Indy.
Com a liminar expedida na tarde de ontem, o governo local aposta na falta de um contrato formal entre as partes para se livrar da multa milionária, estimada em R$ 70 milhões. Nesse caso, o valor teria de ser arcado pela emissora, que ressarciria a IndyCar, associação internacional dona da marca. A empresa americana avisou estar tranquila de que não ficará no prejuízo (leia reportagem abaixo).
Apesar de se dizer “economicamente protegida”, a IndyCar está frustrada com a decisão. Também em entrevista ao Correio, o representante da empresa no Brasil, Willy Hermann, disse que a notícia foi muito mal recebida pela marca. “Existe muita coisa envolvida. Os patrocínios das equipes foram negociados contando com Brasília. Pneus já estão a caminho por via marítima. Mais de 500 vistos para a viagem ao Brasil foram pagos. O material licenciado já foi produzido. As janelas de TV em todo o mundo já foram negociadas e bloqueadas. A credibilidade do Brasil fica abalada: Olimpíadas, shows, tudo”, avalia Hermann. Ele ainda cita que, além das penas rescisórias, o contrato prevê perdas e danos, mas não quis detalhar os valores da fatura.
Para tentar escapar da multa, o governo local usa um trunfo identificado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT): o GDF nunca assinou um contrato formal que firmasse a realização do evento na cidade. Segundo informações do Ministério Público, dois documentos citam a Fórmula Indy no Distrito Federal, mas nenhum trata efetivamente do contrato.
O primeiro é um termo de compromisso assinado pelo ex-governador Agnelo Queiroz em março do ano passado, no qual o governo se compromete a juntar “esforços administrativos e legais no sentido de viabilizar a etapa brasileira” entre 2015 e 2019. O papel faria a vez de contrato entre o GDF e a emissora e foi alvo da liminar de ontem. “É uma folha sem o timbre oficial do GDF. O documento está sem data, constando apenas março de 2014, e o espaço para assinatura de duas testemunhas não foi preenchido”, alega o promotor do MPDFT Fábio Macêdo Nascimento.
R$ 20 milhões
A segunda citação oficial da Fórmula Indy é no contrato assinado entre a organizadora e a Terracap, para uso de imagens institucionais durante a realização do evento. No acordo, a agência candanga se compromete a pagar R$ 37 milhões. O órgão já pagou cerca de R$ 20 milhões, em vão, até cancelar o pagamento nesta semana.
Conforme a Terracap, a atual gestão já havia manifestado à emissora preocupação com o teor do contrato. “Inclusive, propondo a sua repactuação, como forma de realizar o evento na data proposta e mantendo os níveis adequados de segurança”, explicou à reportagem. Os organizadores, no entanto, alegam supresa. “Não havia nenhum indício. Há cerca de duas semanas, o chefe da Casa Civil, Hélio Doyle, concedeu uma entrevista garantindo o cumprimento do contrato e a realização da prova”, comentou a emissora, por meio da assessoria de imprensa.
O governador Rodrigo Rollemberg se manifestou ontem sobre o cancelamento da Indy em Brasília e reconheceu que não conseguiria reformar o autódromo até a data da prova: “Não tínhamos tempo hábil”, disse durante visita a uma escola no Cruzeiro.
De carona no MP? Depende do tema.
Um dos pontos principais em relação ao cancelamento da Fórmula Indy em Brasília, a cinco semanas do dia da corrida, vem sendo vítima de interpretações equivocadas. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em nenhum momento, determinou o cancelamento da prova na cidade. O que o documento do MP recomenda é a não realização das obras no Autódromo Nelson Piquet. E, embora o documento tenha sido amplamente usado como argumentação para o cancelamento da corrida, as “recomendações”, de qualquer Ministério Público, não têm caráter de decisão judicial.
Em artigo que defende o uso das recomendações pelo MP, o promotor Raul de Mello Franco, de São Paulo, reconhece: “A recomendação não afeta diretamente o ato ou omissão sindicado. É dotada de caráter vinculativo mínimo e não leva o seu expedidor a atuar em substituição dos poderes públicos. Funciona como meio de ‘pressão política’ e se expressa como uma sugestão”.
O instrumento, inclusive, é motivo de discussão dentro do próprio MP. Em conversa informal com o Correio, um promotor do MPDFT confirmou a dualidade e foi irônico ao dizer que, muitas vezes, instituições só acatam o que lhes interessa.
Talvez por não haver ainda um consenso sobre seu uso, as recomendações não obedecem um padrão. Enquanto essa, dirigida às obras do autódromo, parece bem focada e pragmática, outras versam sobre temas excessivamente genéricos, de difícil aplicação e de fiscalização praticamente impossível.
Morador de rua
Em 2014, de acordo com o site do Ministério Público do Distrito Federal, as promotorias emitiram 38 recomendações no total, algumas com atribuições bem amplas e com propósito não muito específico. A Procuradoria dos Direitos do Cidadão, por exemplo, recomendou que o GDF adotasse “providências protetivas às pessoas em situação de rua durante o período da Copa do Mundo”. No texto, há uma série de justificativas, mas recomendações de difícil fiscalização, como para que “os agentes zelem para que a abordagem das pessoas em situação de rua seja feita de maneira humanizada e multidisciplinar”. Outra recomendação, também do ano passado, pede que “a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis ofereça acomodações adaptadas aos turistas com deficiência”.
O texto que trata da Indy em Brasília, embora finalizado e assinado na quinta-feira, 22 de janeiro, só foi publicado no site do Ministério Público às 22h do dia 29, depois que a emissora de tevê dona dos direitos da Indy tornou público o “cancelamento unilateral” da corrida pelo GDF.
TCDF apura problemas da licitação
O Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC/DF), vinculado ao Tribunal de Contas do DF, vem investigando a realização da Fórmula Indy em Brasília não apenas em relação ao acordo firmado entre GDF e TV Bandeirantes, mas também quanto à reforma do autódromo.
O MPC/DF requisitou à Terracap, à Secretaria de Governo e à Casa Civil cópias de estudos ou processos, a respeito da realização do evento, entre junho e julho de 2014.
Em março, a Terracap havia celebrado um convênio com a Novacap comprometendo-se a aportar R$ 312.292.030,82 para obras de reforma do Autódromo Nelson Piquet. À época, foi lançado Edital de Concorrência, cujas irregularidades levaram o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) a suspender a licitação. Entre essas irregularidades está, por exemplo, um sobrepreço de, no mínimo,
R$ 30 milhões.
Outras medidas foram adotadas à época pela Novacap e a Terracap para a realização do evento. Dois pregões foram lançados em dezembro: um para contratar a empresa responsável pela montagem do guard rail, estrutura metálica instalada às margens das pistas; outro para instalação de grades de proteção, além da contratação de empresa especializada para fornecimento, montagem e instalação de barreiras de pneus. Os custos seriam de R$ 12 milhões e R$ 4.616.905,29, respectivamente. O TCDF suspendeu os certames e o processo atualmente está no MPC/DF.
Ruim para quem mora fora do DF
Além da frustração por não assistir à etapa da Fórmula Indy em Brasília, os fãs da categoria agora se preocupam em reduzir o prejuízo no próprio bolso, causado pelo cancelamento da prova. Os torcedores esperam, ao menos, o ressarcimento pela compra dos ingressos, mas alguns adeptos que vivem fora do Distrito Federal, no entanto, também contabilizam gastos com hospedagem e transporte.
André Luís dos Santos, 30 anos, calcula em R$ 700 a despesa pela compra das passagens, pela reserva em hotel e pelo bilhete para a corrida. “Por enquanto, não vou cancelar o que adiantei porque acredito em uma reviravolta”, considera o professor universitário, morador de Conselheiro Lafaiete (MG), a 698km de Brasília.
O administrador Túlio Ottoni, 27, não crê em total ressarcimento pela aquisição de três ingressos. Ele lamenta por não assistir pela primeira vez a uma prova da Indy. “Por sorte, eu não tinha comprado também as passagens”, conta o morador de Uberlândia (MG). O funcionário público Fabricio Faria, 36, lamenta o prejuízo de R$ 220 por dois ingressos, mas acredita no reembolso total. “Vou buscar meu dinheiro até o fim.”
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