Ida Frank, de ativista nos anos 70 a "restauranter"
Por Maria da Paz Trefaut | De São Paulo
Ela nunca foi companheira de Dilma Rousseff, embora seja da mesma geração e também tenha sido presa e torturada. Já nos idos dos anos 1970, Ida Maria Frank não acreditava na luta armada como estratégia de resistência. Mais ligada aos movimentos sociais da igreja, deixou a política por um amor e, em Paris, descobriu o gosto pela gastronomia. Hoje é uma empresária do setor de restaurantes, sócia de quatro casas em São Paulo e prepara-se para estender seus domínios a Brasília e ao Rio. Seu empreendimento mais recente, o St. Honoré, misto de bistrô e pâtisserie, abriu as portas há poucas semanas no bairro paulistano do Itaim, corredor gastronômico da cidade.
Depois de alguns equívocos, Ida marcou seu primeiro gol quando se associou ao chef Paulo Barros para fazer o Due Cuochi, premiada casa de cozinha italiana. "No começo eu não tinha a menor noção do que era administrar um restaurante, era totalmente amadora", lembra. Em sete anos aprendeu a transitar na área com desenvoltura. E gosta de dizer que a militância de esquerda do passado a ajudou a ser a empresária que é.
"Procuro ser justa mesmo sabendo que estou numa situação de classe oposta. Estou convencida de que a modernização das relações pode chegar a uma convivência democrática." Em suas empresas, assegura, os funcionários têm tudo o que a legislação determina, ainda que as normas trabalhistas referentes aos empregados de bares e restaurantes "seja velha, obsoleta e precise ser revista".
Ela acredita, porém, que os empregados são viciados nessa legislação e trabalham "pensando em colocar o patrão no pau". Para ilustrar, conta que tem uma cliente no Due Cuochi que é advogada e frequenta o restaurante distribuindo cartões para seus funcionários. "Esses advogados fazem o empregado pleitear até R$ 100 mil para conseguir uns R$ 8 mil. O que vier é lucro."
Pães feitos por Amanda Lopes, pâtissière que é sócia de Ida no St. Honoré
O radicalismo, ela deixou para trás em consequência da idade - não apenas cronológica, mas pela experiência e amadurecimento. Sua história política começou na Ação Popular (AP), de onde migrou para o Movimento Popular de Libertação (MPL). Se hoje se define como centro-esquerda, mantém o orgulho por ter sido participante de uma geração "que queria mudar o Brasil e transformar as relações sociais".
Formada em sociologia pela Universidade Federal da Bahia e descendente de suíços, Ida morou muitos anos em Paris. Primeiro, como exilada, ficou dois anos, na década de 1970. Depois, voltou para cá com a tarefa política de participar da alfabetização de adultos, em Nova Iguaçu, subúrbio do Rio, num trabalho de base coordenado pelo bispo Adriano Hipólito. Aí foi presa e passou "longos 28 dias entre o DOI-Codi do Rio, o Quartel de São Cristóvão e um quartel em Petrópolis". Ao ser julgada foi absolvida.
Anos mais tarde, já vereadora pelo PMDB e presidente do Conselho da Condição Feminina, de São Paulo, passou por Paris para rever velhos colegas de resistência. O reencontro com um "companheiro" do passado terminou em romance. Ela, então, largou tudo e voltou à capital francesa por mais 11 anos: casou, enviuvou e continuou sozinha até sentir que era hora de retornar. Na segunda temporada, aprendeu francês nos marchés, conversando com o peixeiro, o fornecedor de carne, o senhor da queijaria.
Tinha tempo de sobra e cozinhava muito em casa. O marido, grande incentivador, dizia que o melhor restaurante de Paris era o "146, boulevard du Montparnasse", onde viviam. Ida chegou a pensar abrir um restaurante brasileiro lá, mas achou mais prudente trabalhar com exportação de produtos franceses para o Brasil. Nesse meio tempo, participou de cursos no Lenôtre e abriu, em parceria com um francês, seu primeiro restaurante em São Paulo, o Le Toulouse, que não deu certo.
Os acertos vieram mais tarde. Primeiro com o Due Cuochi, que tem duas unidades em São Paulo - abre em
Brasília até o fim do ano e no Rio em 2012. Depois, com o Le Marais, restaurante francês criado também em parceria com Paulo Barros, mas que atualmente é dela e do chef Wagner Resende. Nos planos de expansão do Marais há uma nova unidade em São Paulo num shopping de alto luxo a ser construído pela JHSF.
"Com o Due Cuochi aprendi que é muito bom ter uma filial: uma casa estimula a outra." Ainda que esteja em pleno processo de ampliação interestadual, Ida diz que gosta de restaurantes pequenos. Diz que começa a chegar ao limite de seu crescimento. Aos 65 anos, ajudada pelos dois filhos, ela não escapa aos pensamentos sobre aposentadoria. "Estou querendo construir minha retirada, mas ainda não sei como".
O St. Honoré, onde agora passa a maior parte do tempo, é a realização de um sonho. Ali, as sobremesas e pães preparados pela pâtissière e sócia Amanda Lopes (que trabalhou com Fabrice Lenud e Eric Jacquin) são as estrelas da casa. Tanto que não há doces no cardápio: é preciso levantar para escolhê-los na vitrine.
Pronta para embarcar para Paris, onde vai comprar suprimentos para os restaurantes, Ida jura que, apesar de tantos novos negócios, trabalha menos do que nos tempos em que abriu o Due Cuochi. Na época, eram 16 horas por dia, agora, são umas 10. Em Paris, no apartamento que conserva no bairro do Marais, aproveita para descansar. "Fico sempre conectada, mas lá eu consigo dormir como em nenhum outro lugar".
Fonte:
http://www.valor.com.br/arquivo/8912...0-restauranter