Às margens da rodovia BR-060, o crescimento econômico é chinês A expansão do eixo Brasília-Goiânia coloca a região como o 3º maior aglomerado urbano do país. O PIB ao longo da rodovia soma R$ 230 bilhões. De cada R$ 10 gerados em riqueza pelo Centro-Oeste, R$ 7 estão à beira do trecho
Diego Amorim
Publicação: 18/09/2011 08:09 Atualização: 18/09/2011 08:12
O trecho da BR-060 entre Brasília e Goiânia é o espelho do desenvolvimento de uma região que cresce a taxas chinesas, avança pelo Planalto Central e se consolida como o maior mercado do país fora do eixo Rio-São Paulo. As riquezas produzidas no caminho que divide dois centros consumidores em franca expansão já respondem por um Produto Interno Bruto (PIB) estimado em R$ 230 bilhões, em valores atualizados. É como se cada quilômetro da rodovia movimentasse mais de R$ 1 bilhão. O montante representa em torno de 6% do PIB do Brasil e quase 70% do PIB da região Centro-Oeste.
Cerca de 9 milhões de pessoas vivem hoje ao longo dos 209km do eixo Brasília-Anápolis-Goiânia. A soma supera o número de habitantes das regiões metropolitanas de Porto Alegre e Recife e faz do corredor a terceira maior aglomeração do Brasil. Segundo projeções demográficas, a população deve mais que dobrar em 20 anos e alcançar, em 2030, o total de 20 milhões de pessoas. Especialistas preveem que a malha urbana entre as capitais federal e de Goiás se entrelace em uma velocidade assustadora nos próximos anos.
Ao longo da última semana, o Correio percorreu a rodovia em toda a sua extensão e constatou o crescimento econômico do eixo. Aos poucos, os municípios goianos de beira de estrada ganham vida própria e se livram do estigma de cidade-dormitório. Alexânia, a 60km do centro de Brasília, se prepara para receber em março do ano que vem o segundo shopping do país exclusivamente com outlets de lojas de grife. Não há mais lotes disponíveis ao lado do terreno onde o empreendimento será erguido.
Abadiânia, 28km adiante, no caminho de Goiânia, assiste a uma invasão cada vez maior de estrangeiros que chegam para conhecer a Casa Dom Inácio de Loyola, onde o médium João de Deus atende uma média de 1,5 mil visitantes por dia. O aumento da frequência de voos internacionais em Brasília impulsionou o movimento no centro espiritual. Euro e dólar viraram moedas correntes na cidade. Pousadas e restaurantes estão sempre cheios e a procura por imóveis nas redondezas só aumenta.
Distante 53km da capital goiana, Anápolis conquistou independência e vive sua melhor fase econômica. O PIB local saiu de R$ 2,15 bilhões, em 2002, para R$ 7,80 bilhões, no ano passado. As 22 mil toneladas de cargas que passam pelo Porto Seco Centro-Oeste todo mês ajudam a explicar o salto de 262% no período. O polo industrial anapolino reúne 130 empresas, incluindo multinacionais dos segmentos automobilístico e farmacêutico. Todas estão em processo de expansão.
Comércio de base
A duplicação da rodovia, concluída em 2008 após 20 anos de obras, aqueceu o desenvolvimento. Entre Brasília e Goiânia, o viajante já tem à disposição pelo menos 20 pontos de parada. De olho no potencial consumidor provocado por um fluxo de 60 mil carros por dia, postos de combustíveis ampliam a área comercial e pequenas residências se transformam em restaurantes e empórios. Moradores vendem de panela de alumínio a móveis rústicos, passando por frutas típicas da região.
Redes nacionais e até internacionais de hotéis despertaram interesse em se instalar no eixo. Focado principalmente no Lago Corumbá IV, o mercado da pesca e do turismo rural ferve ao redor da BR-060. Propriedades rurais também se destacam. Mora em uma fazenda perto de Alexânia, por exemplo, a vaca zebuína recordista mundial em produção de leite. De alambiques pertencentes ao mesmo município, saem cachaças distribuídas para o país inteiro.
A conurbação entre as duas capitais é encarada como processo natural e inevitável. “Não há como ser diferente. Necessariamente, temos de pensar na expansão econômica nesse trecho. Caso contrário, as pessoas continuarão vindo para Brasília com a ilusão de encontrar aqui o que procuram”, pondera o secretário de Desenvolvimento Econômico do DF, Jacques Pena. O desenvolvimento ao longo da BR-060 pode amenizar o inchaço do Entorno da capital federal, com criação de emprego e renda.
Os governos do DF e de Goiás vislumbram há décadas as possibilidades na região. A falta de políticas públicas integradas, no entanto, nunca permitiu um desenvolvimento mais eficaz. “Temos uma cidade com a maior renda per capita do país, uma Goiânia com qualidade de vida e o maior distrito industrial do Centro-Oeste no meio do caminho. Não há o que discutir: somos um eixo de sucesso”, diz o secretário de Indústria e Comércio de Goiás, Alexandre Braga.
Na última década, diversos estudos destacaram o potencial do eixo Brasília-Goiânia. Em 2004, a Federação das Indústrias do DF (Fibra) concluiu um deles. “Essa região cresce naturalmente. Com um pouco mais de atenção, cresceria muito mais, de maneira mais veloz e ordenada”, afirma o presidente da Fibra, Antônio Rocha. Ele reforça que há um grande número de investidores internacionais dispostos a desembarcar no corredor.
Para o economista da Federação das Indústrias de Goiás (Fieg) Cláudio Henrique de Oliveira, o problema, ao contrário do que se espera, é que as duas unidades da Federação competem entre si na atração de empresas e incentivos fiscais. “Cada um pensa em si. Não há uma política industrial continuada que valorize as potencialidades. Não se pensa no todo”, critica. Este ano, os setores produtivos do DF e de Goiás voltaram a se reunir para discutir projetos em comum.
Radiografia
9 milhões Total da população que inclui todos os municípios e áreas rurais entre Brasília e Goiânia
R$ 230 bilhões PIB do eixo Brasília-Goiânia, em valores atualizados
70% Participação do eixo Brasília-Goiânia no PIB do Centro-Oeste
6% Participação do eixo Brasília-Goiânia no PIB do Brasil
Linha de produção da Hypermarcas: 6 bilhões de comprimidos fabricados por ano
A meca dos investimentos
Quem passa por Anápolis pela BR-060 pode até perceber o crescimento da cidade, mas não faz ideia do boom industrial que ela vive. A expansão da rede hoteleira, de bares e de restaurantes, e o avanço do mercado imobiliário refletem os investimentos milionários de multinacionais no maior distrito agroindustrial do Centro-Oeste. Problema mesmo só para conseguir mão-de-obra. Sobram vagas nas empresas, todas em processo de ampliação das instalações.
A agressiva política de incentivos fiscais em Anápolis, desde a década de 1980, surtiu efeito. Investidores nacionais e internacionais praticamente ganharam terrenos para desbravar a região. Em alguns casos, o metro quadrado foi calculado em R$ 1. “Estamos desapropriando terras para atender as empresas”, conta o secretário de Desenvolvimento Econômico, Mozart Soares Filho. Até o fim deste ano, começarão as obras dos galpões da fabricante holandesa de aviões Rekkof Aircraft.
O porto seco de Anápolis já é o terceiro maior do país: R$ 3,5 bilhões por ano
No ano passado, o município recolheu R$ 514,9 milhões de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS), 20% a mais que no ano anterior. O portfólio das principais empresas arrecadadoras inclui Caoa Montadora (com a fábrica da Hyundai), AmBev, Hering, Granol e as gigantes farmacêuticas Hypermarcas e Teuto. Para 2012, o orçamento previsto de Anápolis é de R$ 820 milhões. “Enquanto muitos falam em crise, estamos aparelhados para crescer”, diz o prefeito, Antônio Roberto Gomide (PT).
A expansão do parque industrial da Hypermarcas, líder do mercado farmacêutico no Brasil, exemplifica o desenvolvimento de Anápolis. Foram investidos R$ 110 milhões para ampliar a área construída de 52 mil para 90 mil metros quadrados. O número de funcionários saltou de 1,6 mil para 2,4 mil, um aumento de 50%. “Apostamos nesta região”, resume o diretor de Desenvolvimento de Medicamentos da empresa, o anapolino Marco Aurélio Limirio Gonçalves Filho.
Pela primeira vez, uma equipe de reportagem visitou as novas instalações da Hypermarcas. O Correio percorreu parte das 54 linhas de produção, com capacidade para fabricar 6 bilhões de comprimidos por ano. Mais de 600 produtos estão sendo feitos em Anápolis, como o Biotônico Fontoura, o Engov e a Maracujina. A empresa estuda a transferência da área de cosméticos — atualmente em São Paulo — para o interior de Goiás.
Balança comercial
O Porto Seco Centro-Oeste é responsável por 35% das importações de Goiás e já é o terceiro do país em movimentação — em 2010, foram US$ 2,08 bilhões, o equivalente a R$ 3,5 bilhões. Em 1999, ocupava a 62ª posição. Mais de 150 países exportam produtos por Anápolis, principalmente minérios, veículos, medicamentos, grãos, carne bovina e suína. “Qualquer projeto de logística hoje no Brasil passa pelo eixo Brasília-Anápolis-Goiânia”, afirma o superintendente e acionista do Porto Seco, Edson Tavares.
Quilômetro zero de duas ferrovias e cortada por três rodovias federais, Anápolis agora espera a consolidação do Aeroporto de Cargas, um projeto de cerca de R$ 100 milhões que deve sair papel nos próximos dois anos. “A não ser que aconteça uma catástrofe muito grande, Anápolis crescerá a taxas chinesas até pelo menos 2020”, afirma Tavares. Atualmente, 36 prédios residenciais estão em construção na cidade. Ainda este ano, é provável que o condomínio de luxo Alphaville confirme presença na região.
Ainda há as velhas e boas barraquinhas
Quem segue de Brasília a Goiânia não chega ao destino antes de esbarrar em uma vila que cresceu e virou município graças ao sucesso das barraquinhas à beira da pista. São mais de 50 delas. Nas prateleiras de madeira de Terezópolis de Goiás, há de tudo: pimenta, mel, doces, queijos, frutas, cachaças, conservas. O colorido desperta o interesse dos viajantes. “É daqui que tiro o meu sustento”, diz Idália Silva, 67 anos, dona de duas barracas, mãe de sete filhos e avó de 11 netos.
Idália começou a trabalhar ouvindo o ronco dos carros quando a BR-060 era uma pista única e muito perigosa. Naquela época, 20 anos atrás, a vendedora não tinha nem sacola para colocar os pedidos. E, ao olhar para os lados, só avistava quatro concorrentes. “Ficou mais difícil de vender. Isso aqui não dá rio de dinheiro para ninguém, mas ainda é bom”, completa ela, antes de contar, toda orgulhosa, que já vendeu até para estrangeiros, como americanos e portugueses. (DA)
População (2011): 6,6 mil
PIB (2008): R$ 40,7 milhões
PIB per capita (2008): R$ 6,9 mil
Arrecadação de ICMS (2008): R$ 828 mil
Estabelecimentos empresariais (2010): 93
Empregos (2010): 785
Alexânia//
Na esteira das lojas de grife
A pacata Alexânia terá sua rotina completamente alterada a partir de março do ano que vem, quando deve ficar pronto, na entrada da cidade, o segundo outlet de luxo do Brasil. O shopping, com grifes internacionais, mas preços até 80% mais baratos, causará um impacto até então inesperado na economia local. O Outlet Premium Brasília, com arquitetura inspirada nos prédios do Plano Piloto, terá 60 lojas e estacionamento para 2 mil carros.
Empolgada, a prefeita Maria Aparecida Gomes Lima (PSDB) prevê aumento de pelo menos 50% na arrecadação do município após a inauguração do empreendimento. Uma rede de Goiânia arrematou por R$ 275 mil um terreno de 10 mil metros quadrados localizado ao lado das obras do outlet, onde será erguido, segundo a prefeita, um hotel cinco estrelas. “Não há mais área disponível próximo ao shopping”, completa Cida, como é conhecida.
Com a expectativa do outlet, Alexânia está pronta para o surgimento de um polo industrial que abrigará, inicialmente, 12 empresas de segmentos como cosméticos e construção civil. Duas delas já começaram a erguer seus galpões. Por ora, os oito hotéis-fazenda da região, onde com muita frequência ocorrem convenções empresariais, estão entre as principais fonte de receita da cidade. Também se destacam o comércio de móveis rústicos, vendidos às margens da rodovia, e a fábrica da Schincariol, inaugurada em 2003 e responsável pela criação de 2 mil empregos.
Na área rural, os alambiques de Alexânia chamam a atenção. A Cachaça do Ministro, conhecida nacionalmente, é produzida na região, na propriedade do ex-ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Carlos Átila. Perto dali, em uma fazenda de 500 alqueres, em meio a um rebanho de 1,4 mil cabeças de gado, está a vaca zebuína recordista mundial em produção de leite — 52,793kg em um único dia —, cogitada em exposições agropecuárias de todo o mundo. (DA)
População (2011): 24,1 mil
PIB (2008): R$ 261,9 milhões
PIB per capita (2008): R$ 12,6 mil
Arrecadação de ICMS (2008): R$ 52,5 milhões
Estabelecimentos empresariais (2010): 451
Empregos (2010): 3.122
Da palha para o grande negócio
Ponto de parada referência da BR-060, o Jerivá é exemplo de empreendedorismo familiar. Há 35 anos, o casal João Benko Neto e Divina Maria de Souza Benko montou uma barraca de palha às margens da estrada para vender plantas. Em seguida, abriu espaço para que produtores da região comercializassem frutas, verduras e legumes, eliminando a figura do atravessador. Deu certo. Nascia o conceito Jerivá: “De nossa fazenda para sua mesa”.
O faturamento das duas lojas — uma em cada sentido da rodovia — cresce a cada ano. A construção da unidade mais nova, no trecho Goiânia-Brasília, custou cerca de R$ 600 mil. No último ano, a empresa conseguiu R$ 1 milhão do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) para investir na fabricação dos produtos, vendidos nos empórios atrelados às lanchonetes, por onde passam, em média, cerca de 2 mil pessoas por dia. Aos fins de semana, esse número chega a dobrar.
A empresa que atende a terceira geração de clientes, responde por 200 empregos diretos. O próximo passo é estruturar uma rede de franquias em shoppings (já há uma unidade em Goiânia) e em outras rodovias da região. “Estamos consolidados, viramos exemplo, mas queremos ser cada vez mais competitivos. Ainda há muito espaço para crescer”, comenta Fernando Benko, 29 anos, o caçula do casal que assumiu a administração da empresa. (DA)
Palavra de especialista //
Ainda falta avançar
“As cidades do eixo Brasília-Anápolis-Goiânia são bastante atrativas. A região possui um potencial inegável, mas por enquanto o que se vê é muito quebra-molas e uma via de alta velocidade que corta municípios ao meio, o que é muito ruim. Os governos deveriam se atentar mais às possibilidades dessa área. O desenvolvimento só se manterá se houver uma ação conjunta entre Distrito Federal e Goiás — algo que demora a acontecer. Há anos, se fala em conurbação entre Brasília e Goiânia. Porém, até hoje, DF e Goiás têm se preocupado apenas com a sua parte. Tudo vai acontecendo de maneira muito improvisada. Falta o corriqueiro, como a sinalização de quebra-molas. Em um país civilizado, uma rodovia não passa no meio de um centro urbano. O avanço às margens da BR-060 ainda é muito tosco, ainda se encontra cavalo no meio da estrada. É esperar para ver o que vai acontecer daqui para frente.”
Aldo Paviani, professor graduado em geografia, especialista em história e planejamento urbano da Universidade de Brasília
Análise da notícia //
À espera de ganhos sociais
Marcelo Torkarsky
É inegável a pujança econômica vivenciada pelo Eixo Brasília-Goiânia, mas ela precisa ser mais bem aproveitada. As cidades situadas ao longo da BR-060 crescem a taxas de dois dígitos, recebem investimentos e geram empregos. No entanto, ainda é preciso traduzir esse boom econômico em ganhos sociais. A mesma área que movimenta bilhões de reais abriga boa parte do Entorno, onde os seguidos anos de descaso dos governos deixaram as cidades em estado de penúria, com péssimos indicadores socioeconômicos e índices de violência que colocam a região como a mais violenta da América Latina. Para que esse vigor econômico mude de fato o cenário, é preciso que os governos do DF e de Goiás e a União pensem políticas integradas e de longo prazo. Caso contrário, irão desperdiçar essa janela de oportunidade para, de fato, mudar para melhor a vida das pessoas
Fonte:
http://www.correiobraziliense.com.br...e-chines.shtml